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CADERNOS DE RECEITAS

Na prateleira da cozinha de casa, guardo os livros e cadernos de receitas que eram da minha mãe. Curioso que tenha sido eu a ficar com eles, logo eu, que não cozinho. Mais curioso ainda é que a minha mãe tivesse tantas receitas escritas ou coladas nas páginas agora amareladas dos cadernos, pois também ela, não cozinhava. Lembro-me da azáfama em casa em véspera de festas de aniversário ou Natal, a cozinha enorme, repleta de cheiros e sabores, mas sempre vinha alguém de fora confeccionar os pratos. Minha mãe, comandava: comprava os ingredientes e dava ordens, determinava as loiças, escolhia cuidadosamente a toalha, montava a mesa e elaborava os arranjos de flores. Os menus, dei-me eu recentemente conta, saiam desses livros que vos mostro. Receitas cuidadosamente copiadas nos cadernos, na sua letra gigante e bem desenhada. Gosto de folheá-los, pois ali, encontro um pouco da vida dela. Acho sintomático que as primeiras receitas dêem pelo nome de Pavê de Abacaxi, Pudim de Bananas, Galinha Copacabana, Carne recheada com Farofa e de repente haja um salto para Pudim de Bacalhau, Croquetes de Carne e Rissóis de Camarão: eram os meus pais a emigrarem do Brasil para Portugal e a adaptarem-se aos costumes da nova pátria. Assim como faz-me sorrir a organização da minha mãe que ao anotar as receitas, coloca entre parênteses os nomes das pessoas que as forneceram ou o local onde as encontrou. Ali reconheço tantos nomes e me vêm à memória as amigas dela que frequentavam a nossa casa. Também acho graça às observações de rodapé: "ótima receita para o Natal" ou ainda às apreciações: ótima, muito boa, boa. Em algumas páginas, rótulos retirados das latas ou recortados das caixas dos produtos, com fotos nada atrativas, evocam a singeleza e frugalidade de outros tempos. Vez por outra, em meio à caligrafia enorme da minha mãe, aparece a letra miúda da minha avó. Ela sim, ótima cozinheira, consequentemente grande abastecedora de receitas e também comentadora das mesmas: "Docinhos para aniversários, casamentos, etc", "quando quiser fazer mais, dobrar a receita". Manusear estes livros, por serem de receitas, deveria talvez estimular os meus sentidos. Atiçar o olfato e o paladar. Mas não. A comida nunca teve a menor importância na minha vida. Quando viro estas páginas finas e manchadas, o que me vem à cabeça são pessoas e a casa dos meus pais em dias de festa: casa cheia, iluminada e farta, onde a música tocava alta e as gargalhadas se sobrepunham.











18 comentários:

  1. Estes cadernos são um tesouro amiga! Ficou lindo a capa. Bom fim de semana. Ansiosa para te ver por cá. Eu volto dia 7 de Portugal!Beijinhos !

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  2. Ohhh, a ver o post até me emocionei e ocorreu-me um arrepio de cima a baixo, imaginando a tua mãe sentada a escrever cada receita com tanto carinho e amor, é mesmo um tesouro, desfolhar cada página e saber que passaram pelas suas ternurentas mãozinhas.
    Tive uma tia que fazia o mesmo😥
    Achei imensa piada ela escrever as dicas: muito boa, boa...!
    Beijinho grande e bom feriado.

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  3. Bom dia, Val,
    aqui:7:14 manhã de sexta-feira com tempo nublado o que para mim nessa época é uma benção.
    Me vi nesse post, tenho meus cadernos de receitas também, separei por doces e salgados, coloco apartes nelas como se deram certos se são realmente gostosas e as ocasiões em que fiz. Mas.....com a facilidade da internet e meu PC deixei um pouco os cadernos de lado, mas ainda acho mais fácil ler as receitas à mão no caderno. Filha mais velha já quer herdar os mesmos. Ah! esqueci de falar que colo recortes de revistas para decorar os cadernos. Nooossa me senti meio infantil agora. Mas de qualquer maneira acho que vai gerar boas recordações de nossa família reunida.
    PS: adorei as letras das duas.
    Grande abr
    aço
    Mari

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  4. Que ótima recordação Val
    Eu adorei os comentários que fazem o caderno ser único e trazer essas lembranças todos à tona.
    Muito bacana!

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  5. Que giro... adorei as receitas e a toalhinha de croché que está por baixo. Uma ternura e uma recordação que o tempo não apagará!
    Também não gosto de cozinhar, faço-o porque tem de ser e fico feliz por poder escolher os "melhores" (mais saudáveis) ingredientes. Só faço coisas simples, quando quero algo diferente ou mais requintado, como fora. :)
    Adorei as recordações, essa letrinha é muito parecida à dos meus pais, que têm uma letra muito bem desenhada e eu sinceramente, tenho "inveja" (da boa, claro). :)

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  6. Adorei ler este post.
    Guardas os livros pelo sentimento que te criam, não pela questão prática de serem de receitas. É muito bom ter estes tesouros connosco, mesmo que aos olhos de outros sejam uma inutilidade. Um beijo grande e obrigada pela partilha.

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  7. rsrsrsr gostei de ver a letra linda da sua mãe!!!! eu felizmente ainda não herdei nenhum caderno, mas herdei a receita!!! A muitos anos minha mãe disse que gostaria de fazer as bolachas que minha avó fazia pro filhos no Natal.
    Eu por telefone conversei com a velhinha que na sua fraqueza de idosa quando entendeu o que eu queria de repente trouxe a voz a força do poder de ensinar algo que só ela sabia. Anotei cuidadosamente a receita no caderno de minha mãe. Fizemos a bolacha, distribuímos e os anos passaram. minha avó nos deixou a algum tempo e seus cadernos se perderam. Mas a receita que a deixou tão feliz por ser util esta bem guardada. E esse ano que vai fazer sou eu. Teus cadernos lindos me trouxeram uma lembrança feliz obrigado. Um beijo da Eliane.

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  8. Olá, querida Val!

    Só agora entendi o título, que deste ao teu blogue, que tem alguma lógica e muita afetividade. Também minha mãe trauteava "Le vie en rose" de Piaf, mas como era professora, me explicou o significado da expressão.

    Gostei mto de ler o teu texto, que é um desabo, um rebobinar de recordações, que parecem não ter fim e que te dão um enorme prazer em falar delas aqui.

    Tu não gostas de cozinhar, tua mãe, tb não, mas tua avó valia por vocês as duas. Eu detesto, nem sei cozinhar, também.

    Sabes o que mais conta em tudo o que escreveste? São as lembranças, que se traduzem em tudo aquilo que vês, referente ao passado e com o qual, agora te delicias e não é caso pra menos. A tua mãe ou avó, tinham uma letra bordada, linda e tudo devidamente assinalado. Já não pessoas assim, creio.

    Beijos e bom final de semana.

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  9. que boas lembranças, hein!? Também tenho, aqui no Brasil, um caderno no qual escrevo tantas receitas maravilhosas que os outros me passam (com as devidas observações, é claro). De vez em quando eu o pego na gaveta só para folheá-lo, depois guardo novamente. Não tenho o menor jeito para tantas receitas diferentes, fico no habitual arroz com feijão preto e salada, e olhe lá!

    Beijinhos

    Bia <º(((<
    www.biaviagemambiental.blogspot.com

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  10. Essa pequena coleção traz-te boas lembranças e marca uma época, que bem fica nessa caixa de madeira, adorei o caderninho das "minhas receitas", trabalho de reciclagem feito na altura. Beijinhos

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  11. Se há coisa que gosto, são cadernos de receitas manuscritos! Gosto tanto que ando sempre a mudar para ver se encontro aquele que se me cole à alma e fique. Ainda não encontrei! Amei as notas de "Boa" "Ótimo", etc etc... são esses pormenores que dão ainda mais valor à coisa!

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  12. Oi Val,
    Eu não cozinho e minha mãe tb não cozinhava, mas tinha um livro de receitas ótimo em casa, que acabei dando para minha filha. Por algum tempo tb colecionei receitas, que nunca fiz.
    Bjs

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  13. Oi Val, que preciosidade tens em suas mãos. Um lembrança e tanto da sua mãe. Aqui em casa também guardo com muito carinho os cadernos de receitas que eram da minha mãe. Já recorri a eles algumas vezes,rrrss. Eu não tenho muita habilidade para cozinhar e como não tenho mais minha mãe por perto para tirar algumas dúvidas recorro ao velho caderno de receitas embora temos a internet. Também tem várias receitas retiradas dos rótulos das latas de leite condensados e creme de leite,rrsss.
    Que bonita letra sua mãe escrevia.
    Estou pensando em voltar para o blog. Tudo de bom querida, felicidades sempre para você e sua família, bjssss

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  14. Meu Deus como me revi neste post! Não gosto de comer nem de cozinhar mas sou a fiel guardiã dos livros de receitas (tão semelhantes aos seus....)da minha avó e da minha mãe. Por, sei lá, saudades, desejos de criar também eu memórias para as minhas filhas e netas, insisto em fazer escrupulosamente os bolos que indicam que "as latinhas devem ser bem untadas" ou que para esta receita "precisa-se de vasilhas grandes". Acho que não me saio mal mas creio que a melhor recompensa é sentir que faço parte de uma linhagem. Um beijo virtual de quem aqui vem muitas vezes mas nunca se tinha aventurado na resposta!

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  15. Que lindo, Val! Seu blog é fascinante! Também eu já perdi a minha mãe, e, para mim, rever os escritos dela (notadamente, a Bíblia dela, cheia de anotações, breves orações, comentários sobre o que Deus falou com ela através de determinada passagem bíblica) são como receber um abraço carinhoso e demorado dela. Quanto às receitas, ela era muito boa cozinheira, mas fazia tudo de cabeça, não "herdei" quase nenhuma receita dela, rsrs...

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  16. Nossa, Val, que lembranças maravilhosas!!! vc passou muito bem as emoções pelo post.
    Tem uma letra aí, acho que a da tua vó, é muito parecida com a da minha sogra.
    Me sogra passou os cadernos de recitas de tricô dela pra mim, ja que as filhas não faziam . Mesmo eu não tricotando mais há tempos, vou sempre guardar com carinho. NUnca vi uma pessoa tricotar tão bem qto ela tricotava. Ela anda com problemas de memoria atualmente, mas seu tesouro ta bem guardado comigo.

    bju grande
    ana

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  17. Parece um diário. Os detalhes de "boa", "muito boa", "ótimo" são maravilhosos. Minha mãe mantém um caderno muito parecido com colagens, especialmente de embalagens de ingredientes para muitas receitas.
    A minha também não é a melhor cozinheira e confeiteira, mas o carinho é igual.
    Não tem como não se identificar. Muito especial esse seu tesouro.

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