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SOUS LE CIEL DE PARIS

É num primeiro andar "a contar vindo do céu", com parede em pedra, vigas aparentes e porta de vidros coloridos, que mora a Zeyna. Do seu país natal, Marrocos, trouxe o colorido dos tapetes, a típica mesa baixa com bandeja de latão, bules e tajines. Mas mais do que isso, e é o que aprecio na casa de um jovem, trouxe a descontracção e a informalidade. Eu diria, a total liberdade de decorar inerente à pouca idade e ao início de vida. Uma falta de constrangimento que resulta em naturalidade: se não há molduras, as fotos vão diretamente para a parede num desenho abstrato; mesa de cabeceira não precisa existir, se há um pequeno tapete que supre as necessidades; e para que fim roupeiros fechados e sisudos se um carrinho expositor de loja os pode substituir? Na pequena cozinha, tudo à vista e à mão de semear para um quotidiano sem cerimónias. E parece que os objetos ganham o seu lugar com espontaneidade, apesar de na sala, uma planta estar estrategicamente colocada sob a luz generosa da janela. E se olharmos por essa janela? mais telhados sob os céus de Paris.

NOTA: as fotos foram tiradas pela minha filha, com o telemóvel (o que explica a pouca qualidade das imagens), num fim de semana que passou chez Zeyna.

DESFAZER E TORNAR A FAZER #3

Como mulher precavida e organizada que era, minha mãe tinha seu traje para a virada do século, já confeccionado pela modista e cuidadosamente pendurado no closet. Mas o destino trocou-lhe os planos, e a pouco mais de 1 mês para a grande data, ela partiu. Era um conjunto de seda, branco, como manda a tradição, saia travada e camisa com mangas curtas e flores aplicadas, bem ao estilo da minha mãe, que gostava de tecidos finos, bordados e algum brilho. Na altura em que perdi minha mãe, acabei por guardar boa parte das roupas de festa dela. Não sei bem porquê. Nem sequer as iria usar: sou mais alta, mais forte, raramente uso vestidos ou saias e também nunca tive imaginação para transformar roupas. Hoje sei, que numa primeira fase, agarramo-nos ao que era da pessoa para tentarmos permanecer perto dela (ou ela perto de nós) e só mais tarde nos apercebemos que as memórias estão na nossa cabeça e não tanto nas "coisas". Seja como for, estes últimos dias, tive entre as mãos tecidos que não estou habituada a manusear, que escorregam, desfiam mal se toca neles e estão fragilizados pelos anos. Desmanchei a camisa da festa que ela não chegou a ir e uma saia que fazia parte de outro conjunto que minha mãe usou no dia em que eu casei. Sofri com os tecidos que teimavam em se desfazer e em fugir dos meus dedos e pela primeira vez na vida, forrei, alinhavei e chuleei, mas consegui fazer aquilo que tinha imaginado: duas pequenas almofadas delicadas e com um certo requinte. Elegantes. Exatamente como minha mãe.

ALMA DE COLECIONADOR

Quem o conhece, sabe que ele é fora do comum, com gostos requintados, algo extravagantes por vezes, eu diria. E que a sua casa é o espelho disso mesmo: do seu inconformismo, da sua ousadia e da sua sensibilidade. Ele é um viajante e um colecionador por natureza. Aprecia cerâmicas, vidros, bibelôs, bules esmaltados, moveis rebuscados. E só na casa dele é possível misturar candeeiros de cristal com ninfas, porcelanas orientais com faisões empalhados, e tudo isto fazer sentido e não cansar. Pode não ser o meu, nem o seu gosto. E pode até ser o contrário do conceito de casa vivida do qual tanto se fala e apregoa hoje em dia. Mas em tempos de abertura e queda de preconceitos, encanto-me com a excentricidade do Missael, e ele consegue sempre surpreender-me a cada vez que transponho a sua porta, mesmo eu sabendo antecipadamente que do lado de lá espera-me o improvável.